terça-feira, 27 de março de 2012

Condenação por porte de drogas para consumo pessoal não gera reincidência


  
   Conforme decisão veiculada hoje, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, por maioria, que condenação por porte de drogas para uso pessoal (art. 28 da Lei 11.343/06) não gera reincidência.

   No caso, o Juiz de Direito, ao julgar a prática de crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06), negou ao réu o benefício do artigo 33, §4º da Lei 11.343/06 por entender que ele não era mais primário, já que carregava uma condenação pretérita por porte de drogas.

   Em grau de apelação, o TJ/SP reformou a decisão ao fundamento de que o crime anterior de porte de drogas não é apto a gerar reincidência. Assim, o condenado por crime de tráfico poderia ser considerado tecnicamente primário, para fins do artigo 33, §4º da Lei 11.343/06, ainda que já anteriormente condenado pelo porte.

   Dentre os argumentos apresentados pelos Desembargadores, cito os que me pareceram mais relevantes:
  • Evolução legislativa: A Lei 11.343/06 inaugurou um novo tratamento jurídico aos usuários de drogas. Houve uma quebra de paradigma, trazendo uma situação mais benéfica ao réu. Antes, a pena para o “uso” de drogas era de detenção de seis meses a dois anos, além de multa. Hoje, não há mais possibilidade de prisão ao usuário (embora a conduta siga tendo natureza delituosa, conforme ratificado pelo STF – RE430105), aplicando-se apenas medidas alternativas: advertência, prestação de serviços, medidas educativas.
  •  O infrator do artigo 28 da Lei de Drogas não é mais considerado pela lei como um deliquente a ser reprimido, mas sim como um doente a ser tratado.
  •  As sanções previstas ao porte de drogas não são de índole repressiva, mas sim de cunho preventivo especial positivo, com vistas à reinserção social.
  • A lei não prevê nenhuma possibilidade de as medidas alternativas aplicadas ao usuário serem convertidas em pena privativa de liberdade.
  • A Lei 11.343/06 é posterior à Parte Geral do Código Penal, que trata da reincidência. Logo, a nova lei especial pode excepcionar a lei anterior geral.
  • A sanção dada à infração do artigo 28 da Lei de Drogas é de nítido caráter recuado do poder punitivo, o que não se coaduna com o instituto da reincidência, o qual representa uma maior censura ao crime praticado, aumentando a punição.
  • Proporcionalidade: Uma contravenção penal anterior não gera a agravante da reincidência na prática de crime. Contravenção penal é punível com pena de prisão simples ou multa.  O artigo 28 da Lei de Drogas sequer prevê pena de prisão. Assim, se quem pratica uma contravenção penal e depois um crime é considerado primário (situação mais grave), é desproporcional que quem pratique a infração penal do artigo 28 e depois um crime (situação menos grave) seja reincidente.
  • Se a nova lei trata o usuário como um sujeito que merece tratamento e não como um deliquente que merece pena (de prisão), não se pode, posteriormente, fazer com que a prática do porte de drogas implique sanção, o que ocorreria ao agravar a pena do crime posterior.
  • Direito Comparado: Em Portugal, a reincidência só surte efeito em crimes que tenham sido punidos com pena de prisão efetiva por mais de 6 meses.


   Extraí apenas os principais pontos do julgado. Para acessar o acórdão completo, o número da Apelação é 0009781-64.2010.8.26.0400 do TJ/SP.

   Breve comentário meu:
   Os argumentos jurídicos são excelentes. Ainda estou refletindo sobre o caso (até porque tive acesso ao julgado hoje), mas – em primeira análise – considero coerente a decisão do TJ/SP, capaz de me convencer de que a agravante da reincidência realmente não deveria ser aplicada no caso julgado.
    Mas indo além da análise jurídica, devemos refletir sobre a (in)eficácia do sistema: Se o sujeito chega ao Poder Judiciário por portar drogas para consumo pessoal e, tempos depois, volta para responder um processo por tráfico de drogas, não podemos deixar passar desapercebido que a medida anterior foi totalmente insuficiente.
   Sei que não é aumentando a pena pela reincidência que irá resolver o problema do tráfico de drogas (antes fosse tão simples assim), mas talvez tenhamos que repensar essa visão tão “terapêutica” do artigo 28 da nova lei de drogas que cria “um regime de fadas para ser aplicado em uma realidade de bruxas”.

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